
MANIFESTO BIOCHAVES PELA “REINVENÇÃO DA RODA” EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Na academia, assim como na indústria, quando se trata de inteligência artificial (IA), é comum se escutar a recomendação de “não reinventar a roda,” como justificativa para o uso de ferramentas e plataformas computacionais que facilitam e aceleram o trabalho de montagem de soluções. No caso de redes neurais convolutivas profundas, e de outras estruturas grandes e complicadas, como os Transformers, isso se tornou praticamente uma regra.
Por outro lado, seguir assim é repetir um padrão de comportamento que leva ao clientelismo tecnológico, análogo ao que aconteceu nos momentos históricos em que o Brasil copiou projetos de computadores pessoais, em detrimento da elaboração de projetos originais – apesar da lei de informática (Lei nº 8.248/1991), no início da década de 1990 –, ou quando deu preferência a montar automóveis, em detrimento de uma indústria automobilística autêntica, embora mais simples e menos competitiva.
Um contra-exemplo desse padrão, no entanto, é a indústria aeronáutica brasileira, que não é uma mera montadora de criações estrangeiras. Ao contrário: é uma indústria que projeta, executa e até exporta ideias originais. Não parece ser coincidência que essa indústria tenha começado com Santos Dumont “reinventando a roda,” as asas e até os motores, com protótipos rústicos e quase risíveis, feitos de material simples e muita criatividade. E se seus protótipos foram numerosos, é porque houve provavelmente muitos erros (mais que acertos) no processo criativo desse cientista brasileiro, até que ele conseguisse voar por “apenas” 60 metros, a 80 centímetros do chão.
Embora mal definida, a sigla IA (ou AI, em inglês) tem ocupado grande parte do imaginário popular, e suas ramificações, como os grandes modelos linguísticos (LLM), já se impõem como elementos tecnológicos e comerciais de peso. Mas todas as implementações concretas dessas tecnologias parecem ser remontagens feitas a partir de um punhado de módulos providos (e promovidos) por poucas empresas gigantes (como as “Magnificent 7”). Não parece ser coincidência que essa monopolização dos módulos populares de construção da IA vem acompanhada de uma precarização do trabalho de jovens, que são essencialmente estudantes de países em desenvolvimento (como o Brasil), contratados como “montadores da IA,” em contratos de trabalho “uberizados.”
Na contra-corrente dessa tendência, nós, do grupo de pesquisa BioChaves, defendemos que é preciso “reinventar a roda” nos aspectos fundamentais da IA, que são a matemática e a programação computacional. Mais especificamente, defendemos que o uso de módulos pré-programados (como PyTorch, Tensorflow, Keras etc.) obscurece aspectos do aprendizado de máquina, e inibe o aprendizado de gente. Defendemos que fugir dessa tendência é o caminho para o verdadeiro domínio da IA, promovendo processos criativos necessários à sua evolução e inovação.
No processo de “reinventar a roda”, é provável que se perca velocidade de produção de produtos em IA, mas assim como no caso dos computadores pessoais, nos anos 90, seguir na rota atual parece ser uma receita de clientelismo tecnológico, e a IA, na sua concepção mais larga, ainda guarda muitas perguntas (científicas) sem resposta, e os indivíduos/nações que se limitarem à montagem de blocos correm o risco de nem perceberem que perguntas são essas.
Jugurta Rosa Montalvao Filho

